quarta-feira, 23 de março de 2011

Conheça a história de Dietrich Bonhoeffer!

A Editora Mundo Cristão traz para o Brasil biografia assinada por Eric Metaxas sobre o cristão que conspirou contra Adolf Hitler e se tornou um mártir.

Enquanto Adolf Hitler e os nazistas seduziam uma nação, intimidavam um continente e tentavam exterminar os judeus da Europa, um pequeno número de dissidentes e sabotadores trabalhava para desmantelar o Terceiro Reich. Um desses planos, conhecido por Operação Valquíria, se tornou sucesso nos cinemas em 2008.

Entre esses dissidentes estava Dietrich Bonhoeffer, pastor e escritor, conhecido tanto por clássicos espirituais, como The cost of discipleship (O custo do discipulado) e Life together (Vida em comum), como por sua execução de 1945 em um campo de concentração, acusado de participar de uma conspiração contra Hitler.

Estes e muitos outros detalhes sobre a vida de Bonhoeffer são revelados por Eric Metaxas em Bonhoeffer - Pastor, mártir, profeta, espião, que a Mundo Cristão publica no segundo semestre de 2011. O autor une as duas vertentes de Bonhoeffer, a de teólogo e de espião, para contar uma história de coragem incrível diante de um mal terrível.

Nascido na Polônia em 1906, Bonhoeffer decidiu seguir carreira pastoral na Igreja Luterana e cursou doutorado em teologia na Universidade de Berlim, complementando seus estudos no Union Theological Seminary em Nova York. Retornou à Alemanha em 1931 e oito anos mais tarde decidiu lutar contra a dura realidade imposta pela ditadura de Hitler.

A partir de trechos de cartas de amor e mensagens codificadas escritas por ele para ele, agora reveladas por Eric Metaxas, podemos ver pela primeira vez a história completa do romance apaixonado e trágico de Bonhoeffer e o testemunho de fé extraordinária de um ser humano incrível.

O leitor irá descobrir novas visões e revelações a respeito de seu posicionamento sobre o dever que os cristãos têm em defender os judeus, e vai ficar frente a frente com um homem determinado a fazer a vontade de Deus radicalmente, corajosamente, arriscando-se à morte.

Em uma narrativa profunda e comovente, Metaxas reúne documentos inéditos, incluindo cartas pessoais, anotações detalhadas de um diário, para revelar as dimensões da vida e da teologia de Bonhoeffer, como jamais se conheceu.


Eric Metaxas é o autor de Tudo que você sempre quis saber sobre Deus (mas tinha medo de perguntar) e cerca de trinta livros infantis. Seus textos foram publicados por grandes veículos norte-americanos, como New York Times e Washington Post.

terça-feira, 22 de março de 2011

IECLB de Nova Friburgo é a mais antiga comunidade luterana do Brasil e da América Latina.

A Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Nova Friburgo é a mais antiga comunidade luterana do Brasil e da América Latina. Aceita-se como data da fundação o dia 3 de maio de 1824, o dia da chegada dos primeiros imigrantes alemães. Estes vieram em dois veleiros, o "Argus" e o "Caroline", acompanhados do Pastor Friedrich Oswald Sauerbronn, que anteriormente havia sido pároco em Becherbach, na Alemanha (1809-1821).

Menos de duas semanas após a chegada, Sauerbronn teve que sepultar o seu filho Peter Leopold, que nascera durante a viagem. Não lhe foi permitido fazê-lo no cemitério da cidade, pois este era destinado somente para as famílias católicas. Recebeu a doação de uma área de terras, onde realizou o sepultamento. Assim surgiu o atual cemitério que mais tarde recebeu a denominação de Cemitério Evangélico Luterano "Jardim da Paz".

Os cultos realizaram-se, inicialmente, numa pequena casa. O próprio pastor Sauerbronn relata que residiu em duas choupanas de taquara e barro, abandonadas pelos suíços. E numa casa semelhante de 10x16 pés, na qual não havia banco, púlpito e nem altar, celebrou o primeiro culto em 14.07.1824. Em 1827 construíram uma pequena capelinha, mas tiveram que demoli-la a mando das autoridades. Somente em 1857 puderam edificar uma segunda, mas ainda precária casa de oração, na Praça do Pelourinho (atual Praça Paissandu). Nela havia, tão somente, uma mesa de altar, coberta com um pano preto, e um crucifixo prateado.

Sauerbronn também visitou os evangélicos do Rio de Janeiro (até 1847) e de outras cidades vizinhas. Vemo-lo, constantemente, a caminho. Os seus membros residiam muito espalhados no meio das serranias quase inacessíveis. E grande parte deles seguiu rumo às fazendas de café em Cantagalo e arredores. Segundo Sauerbronn, a metade dos colonos tomou este rumo. A partir de 1868, muitas famílias luteranas começaram a colonizar a região de Manhuaçu-MG, sendo Wilhelm Eller o pioneiro.

Quando Sauerbronn já esteve bastante idoso, começou a assessorar-se do jovem teólogo suíço Johann Caspar Meyer (imigrado em 1854). Em 01.07.1864 o presbitério o nomeou pastor e sucessor de Sauerbronn. Meyer ocupou muitas funções simultaneamente: professor de latim e matemática, comerciante em Petrópolis e Carmo, vereador, presidente da Câmara Municipal, juiz de paz e prefeito.

Neste período, as atividades pastorais foram ampliadas até Amparo, São José do Ribeirão, Lumiar, Macaé de Cima, Sessenta e Um, Córrego d'Antas, Boca do Mato, Bom Jardim, Cantagalo e Santa Rita do Rio Negro. Os ofícios religiosos eram feitos em língua alemã, mas na cidade já em 1876 começou-se a usar o vernáculo.

Em 18.09.1878 foi inaugurado um templo em São José do Ribeirão, que, mais tarde, foi vendido para a Igreja Presbiteriana. Em 1883 foi vendido o terreno da comunidade no Paissandu, com exceção do local, onde atualmente se localiza o templo.


Meyer faleceu em 1906. Foi sucedido de 1906 a 1911 por seu filho Adolfo Meyer, que estudou num seminário presbiteriano local, sem porém chegar a concluir o curso. Segundo consta, ele não chegou a realizar ofícios religiosos, apresentanto-se, tão somente, como "líder dos luteranos". Dedicou-se ao magistério até 1911, quando foi nomeado fiscal do Imposto de Consumo. Ele era casado com uma neta de Sauerbronn.

Em 1911 a Fábrica de Rendas Arp instalou-se em Nova Friburgo. Em vista disto, vieram muitos técnicos e operários alemães, em sua maioria protestantes, dando um novo alento à Comunidade Luterana que estava prestes a sucumbir. Logo mais, outras empresas aqui se instalaram.

A partir de 1913 a comunidade começou a ser atendida pelo pastor luterano do Rio de Janeiro, Ludwig Höpffner. Esporadicamente também houve atendimento por parte dos pastores Treutz e Wiese e do missionário e professor Friedrich Gustav Ernst Plöger (1933-1937). Plöger faleceu em 1948 em Nova Friburgo. Depois assumiram os pastores Schlupp, Falk e Rieck.




Durante a Primeira Guerra Mundial, vários marinheiros alemães foram alojados em Nova Friburgo no atual Sanatório Naval. Muitos deles vieram a falecer por volta de 1918, vítimas de uma terrível epidemia de gripe. As sepulturas deles encontram-se no Cemitério Luterano em bom estado de conservação.

Em uma reunião de diretoria, em 1947, fala-se sobre a construção de um novo templo, que foi inaugurado em 29.06.1952, com a denominação de Templo "Pedro e Paulo". Os sinos foram doados pelas comunidades do Sínodo Brasil-Central. Em 1952 foi adquirido o órgão, que foi importado da Alemanha. O custo foi da ordem de Cr$ 64.000,00. O órgão Walcker foi instalado e inaugurado festivamente no culto da Reforma, em 31.10.1952.




Cultos

Todos os domingos: 10h30 (Santa Ceia: terceiro domingo)
Cultos em alemão: Segundo e quarto domingo: 9h15 (Santa Ceia: segundo domingo)

Cultos de oração: Todas as terças: 19h30 (Santa Ceia: primeira terça)

Este histórico foi elaborado pelo Rev. Armindo L. Müller para os festejos dos 179 anos de fundação, em 3 de maio de 2003

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dietrich Bonhoeffer (1906-1945)

Pastor luterano e mártir, nasceu em Breslau, Alemanha, em 4 de Fevereiro 1906, filho de um psiquiatra de classe média alta. Quando jovem decidiu-se seguir a carreira pastoral na Igreja Luterana. Doutorou-se em teologia na Universidade de Berlim e fez um ano de estudos no Union Theological Seminary, em Nova York.

Nos anos de 1929 a 1930 trabalhou como assistente pastoral numa congregação evangélica na Espanha. Durante esta época viajou por alguns países de língua latina como México e Cuba. Retornou a Alemanha em 1931 e foi ordenado pastor.

Bonhoeffer foi um dos mentores e signatários da “Declaração de Bremen”, quando em 1934 diversos pastores luteranos e reformados, formaram a “Bekennende Kirche”, Igreja Confessional, rejeitando desafiadoramente o nazismo: “Jesus Cristo, e não homem algum ou o Estado, é o nosso único Salvador”.Sua resistência sistemática ao Nacional Socialismo de Hitler fez de Bonhoeffer um líder e advogado em defesa dos cidadãos judeus. O discurso fez-se ação quando ele ajuda e organiza fuga de judeus para a Suíça.

A partir de 1934, já perseguido, exerce clandestinamente seu ministério na Alemanha, até ser preso em 1943 acusado de envolvimento num plano para assassinar Hitler.

Amou a igreja do seu tempo, sofreu com ela e por ela, mas também participou ativamente do destino da sua pátria. Quando viu que a sua igreja silenciou diante de tanta injustiça; que os cristãos não levantaram suas vozes em favor “dos irmãos mais fracos e indefesos de Jesus Cristo – os judeus e os 200 mil considerados indignos de viver: os deficientes físicos e mentais, os ciganos, homossexuais e testemunhas de Jeová – levados para os campos de extermínio”, não calou e nem desistiu mesmo sabendo o risco que iria correr se fosse adiante pela causa.

Levado de uma prisão para outra, em 9 de Abril de 1945, três semanas antes que as tropas aliadas libertassem o campo, foi enforcado, junto com seu irmão Klaus, e cunhados Hans von Dohnanyi e Rüdiger Schleicher, no campo de prisioneiros de Flossenburg, Alemanha.

Consciente que o discípulo não está acima do seu mestre e nem o servo acima do seu senhor, não se conformou em ser um cúmplice dos crimes praticados pelo seu próprio povo, pagando assim um alto preço, o martírio aos 39 anos de idade.

Suas cartas da prisão são um exemplo de martírio e também um tesouro para a Teologia Cristã do século XX.

Sua obra mais famosa, escrita no período de ascensão do nazismo foi “Discipulado” (Nachfolge) na qual desenvolve a polêmica acerca da teologia da graça, fundamento da obra de Lutero. O livro opõe-se a ênfase dada à “justificação pela graça sem obras da lei”, afirmando que a graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa que é um tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende tudo que tem (…) o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga suas redes e segue (…) o dom pelo qual se tem que orar, a porta a qual se tem que bater. Destas linhas já se denota o profundo “fazer teológico poético” que tanto caracteriza a obra de Bonhoeffer.

A Igreja é Cristo existindo em forma de comunidade”. Bonhoeffer

“…a benção inclui a cruz, e a cruz inclui a benção”. Cartas da Prisão

Livros de sua autoria publicados no Brasil

•Ética, Editora Sinodal, 2005
•Discipulado, Editora Sinodal, 2004
•Resistência e Submissão: Cartas e Anotações Escritas na Prisão, Editora Sinodal, 2003
•Tentação, Editora Sinodal, 2003
•Vida em comunhão, Editora Sinodal, 1986
•Orando com Salmos, Editora Encontro, 1995

Filmes

•Bonhoeffer: O Agente da Graça, Comev, 1999


Livros sobre Bonhoeffer publicados no Brasil

•Dietrich Bonhoeffer: cristianismo e testemunho, Ir. Miriam Cunha Sobrinha, Editora Edusc, 2006
•Dietrich Bonhoeffer: Vida e Pensamento, Werner Milstein, Editora Sinodal, 2006
•Bonhoeffer: o mártir, Craig J. Slane, Editora Vida, 2007.

sábado, 19 de março de 2011

Graça Preciosa x Graça Barrata (Dietrich Bonhoeffer)

A graça barata é a inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa.

Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos levianas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. A essência da graça seria justamente que a conta foi liquidada antecipadamente e para todos os tempos. Estando a conta paga, pode-se obter tudo gratuitamente. Por ser infinitamente grande o preço pago, são também infinitamente grandes as possibilidades de uso e dissipação. Que seria a graça se não fosse barata?

Graça barata significa a graça como doutrina, como princípio, como sistema; significa perdão dos pecados como verdade geral, significa o amor de Deus como conceito cristão de Deus. Quem o aceita já tem o perdão de seus pecados. A Igreja participa da graça já pelo simples fato de ter essa doutrina da graça. Nesta Igreja, o mundo encontra fácil cobertura para seus pecados dos quais não tem remorsos e não deseja verdadeiramente libertar-se. A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus. Graça barata significa justificação do pecado, e não do pecador. Como a graça faz tudo sozinha, tudo também pode permanecer como antes. "Afinal, a minha força nada faz." O mundo continua sendo mundo, e nós continuamos sendo pecadores "mesmo na vida mais piedosa". Viva, pois, o crente como vive o mundo, coloque-se, em tudo, em pé de igualdade com o mundo, e não se atreva - sob pena de ser acusado de heresia entusiasta! - a ter, sob a graça, uma vida diferente da que tinha sob o pecado! Que se guarde de encolerizar-se contra a graça, de envergonhar essa graça grande e barata, e de instituir um novo culto do literalismo tentando ter uma vida de obediência de acordo com os mandamentos de Jesus Cristo!

O mundo é justificado pela graça, e, por isso - por amor da seriedade dessa graça, para que não haja resistência a essa graça insubstituível! - que o cristão viva como o resto do mundo! E certo que ele gostaria de realizar algo de extraordinário, e constitui, sem dúvida, um grande sacrifício não poder fazê-lo, mas ter que viver mundanamente. Contudo, ele precisa fazer esse sacrifício, praticar a autonegação, renunciar a uma vida que se distinga da do mundo. Tem que deixar a graça ser realmente graça, para não destruir ao mundo a fé nessa graça barata. Todavia, que o crente, em seu mundanismo, nessa renúncia necessária que tem de fazer por amor do mundo - não, por amor da graça! - continue consolado e seguro (securus) na posse dessa graça, que tudo opera sozinha! Por isso, que o crente não seja discípulo, antes se console com a graça! Isto é graça barata como justificação do pecado, mas não justificação do pecador penitente, que abandona o pecado e se arrepende; não é o perdão que separa do pecado. A graça barata é a graça que nós dispensamos a nós próprios.A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.

A graça preciosa é o tesouro oculto no campo, por amor do qual o ser humano sai e vende com alegria tudo quanto tem; a pérola preciosa, para cuja aquisição o comerciante se desfaz de todos os seus bens; o senhorio régio de Cristo, por amor do qual o ser humano arranca o olho que o faz tropeçar; o chamado de Jesus Cristo, pelo qual o discípulo larga suas redes e o segue.A graça preciosa é o Evangelho que se deve procurar sempre de novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta à qual se tem que bater.

Essa graça é preciosa porque chama ao discipulado, e é graça por chamar ao discipulado de Jesus Cristo; é preciosa por custar a vida ao ser humano, e é graça por, assim, lhe dar a vida; é preciosa por condenar o pecado, e é graça por justificar o pecador. Essa graça é sobretudo preciosa por ter sido preciosa para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu Filho - "vocês foram comprados por preço" - e porque não pode ser barato para nós aquilo que custou caro para Deus. A graça é preciosa sobretudo porque Deus não achou que seu Filho fosse preço demasiado caro para pagar pela nossa vida, antes o deu por nós. A graça preciosa é a encarnação de Deus.

A graça preciosa é a graça como santuário de Deus, que tem que ser preservado do mundo, não lançado aos cães; e por isso é graça como palavra viva, a Palavra de Deus que ele próprio pronuncia de acordo com seu beneplácito. Chega até nós como gracioso chamado ao discipulado de Jesus; vem como palavra de perdão ao espírito angustiado e ao coração esmagado. A graça é preciosa por obrigar o indivíduo a sujeitar-se ao jugo do discipulado de Jesus Cristo. As palavras de Jesus: "O meu jugo é suave e o meu fardo é leve" são expressão da graça.Por duas vezes Pedro ouviu o chamado: "Segue-me!" Foi esta a primeira e a última palavra de Jesus a seu discípulo (Mc 1.17; Jo 21.22). Toda sua vida se situa entre esses dois chamados. Da primeira vez, Pedro, no Lago de Genesaré, ao ouvir o chamado de Jesus, largara as redes e abandonara a profissão, seguindo a Jesus em obediência cega. Da última vez, é o Ressurreto que o encontra em seu antigo ofício, novamente no Lago de Genesaré; e mais uma vez o chamado é: "Segue-me!" No espaço entre esses dois chamados, havia toda uma vida de discipulado de Cristo. No meio dela encontra-se a confissão de que Jesus é o Cristo de Deus. Por três vezes a mesma mensagem foi anunciada a Pedro, no início, no fim e em Cesaréia de Filipe, ou seja, a mensagem de que Cristo é seu Senhor e Deus. A graça de Cristo que chama: "Segue-me!" é a mesma que se revela a Pedro em sua confissão do Filho de Deus.

Houve, pois, uma intervenção tripla da graça no caminho de Pedro, a mesma graça proclamada em três ocasiões diferentes; ela era, assim, de fato a graça do próprio Cristo e não a graça que Pedro atribuía a si mesmo. Foi essa mesma graça de Cristo que venceu esse discípulo, levando-o a largar tudo por amor do discipulado; foi ela que o impeliu a uma confissão blasfema aos ouvidos do mundo; foi ela que chamou o infiel Pedro à comunhão derradeira, a do martírio, pelo que lhe foram perdoados todos os pecados. A graça e o discipulado permanecem indissoluvelmente ligados na vida de Pedro. Ele havia recebido graça preciosa.

Com a expansão do cristianismo e a secularização crescente da Igreja, a consciência dessa graça preciosa perdeu-se gradualmente. O mundo estava cristianizado, a graça passara a ser propriedade comum de um mundo cristão. Tinha-se tornado barata. No entanto, a Igreja Romana conservava um último resto desta consciência. Foi de significado decisivo o fato de o monasticismo não se ter separado da Igreja, e de esta ter sido suficientemente sábia para o tolerar. Ali, na periferia da Igreja, estava o lugar no qual se mantinha viva a consciência da preciosidade da graça, e de que esta encerra em si o discipulado. Por amor de Cristo, homens e mulheres abandonavam tudo quanto possuíam, procurando cumprir os severos mandamentos de Jesus na prática diária. Foi assim que a vida monástica se transformou num protesto vivo contra a secularização do cristianismo, contra o barateamento da graça. Todavia, pelo próprio fato de ter tolerado esse protesto e de ter evitado uma cisão defi¬nitiva, a Igreja o relativizou, encontrando nele até a justificação de sua própria vida mundana; pois agora a vida monástica transformava-se numa realização especial de caráter individual, realização essa que não poderia ser exigida à massa do povo cristão.

A limitação fatal do mandamento de Jesus a um grupo limitado de indivíduos de qualidades excepcionais levou à distinção entre uma realização máxima e uma realização mínima na esfera da obediência cristã. Assim, a cada ataque renovado contra a secularização da Igreja, podia-se apontar para a possibilidade da vida monástica dentro da mesma Igreja, ao lado da qual se justificava plenamente a outra possibilidade do caminho mais fácil. Desse modo, apelar para o conceito que a Igreja primitiva tinha da preciosidade da graça - conceito que ficara preservado no monasticismo da Igreja Romana - teve que servir, paradoxalmente, uma vez mais como justificação final da secularização da Igreja. Em tudo isso, o erro decisivo do monasticismo não residia no fato de - a despeito de tantos mal-entendidos quanto ao conteúdo da vontade de Jesus - ter seguido o gracioso caminho do discipulado rigroso. Antes, o monasticismo distanciou-se essencialmente do cristianismo por se deixar transformar ele próprio na realização excepcional, voluntária, de uns poucos, reivindicando, assim, mérito especial para si.

Quando, por intermédio do seu servo Martim Lutero, na Reforma, Deus avivou uma vez mais o Evangelho da graça pura e preciosa, fez com que Lutero passasse primeiro pelo convento. Lutero era monge. Tudo abandonara e desejava seguir a Cristo em obediência perfeita. Renunciou ao mundo e dedicou-se à obra cristã. Aprendeu a obediência a Cristo e à sua Igreja, pois sabia que somente o obediente é que pode crer. O chamado para o convento custou a Lutero a total consagração de sua vida. Com o caminho escolhido, Lutero fracassou em relação ao próprio Deus. Este lhe mostrou, através das Escrituras, que o discipulado de Jesus não era a realização meritória de alguns, mas um mandamento divino a todos os cristãos. A humilde obra do discipulado convertera-se, no monasticismo, numa realização meritória dos santos. A autonegação do seguidor revelou-se nele como a derradeira auto-afirmação espiritual dos piedosos. Foi assim que o mundo se infiltrou no seio da vida monástica, mostrando-se de novo perigosamente ativo. A fuga do mundo revelara-se como a mais refinada forma de amor ao mundo.

Nesse fracasso da última possibilidade de uma vida piedosa, Lutero foi alcançado pela graça. Viu no colapso do mundo monástico a mão salvadora de Deus estendida em Cristo. A ela se agarrou, certo de que "nossos esforços nada podem nem mesmo na vida mais piedosa". Foi a graça preciosa que lhe foi dada, e ela lhe despedaçou toda a sua existência. Teve que largar uma vez mais as suas redes e seguir o Mestre. Da primeira vez, quando fora para o convento, abandonara tudo - menos a si mesmo, seu eu piedoso. Desta vez, até isso lhe foi tirado. Não seguiu o Mestre por mérito próprio, mas baseado na graça de Deus. Não lhe foi dito: "E certo que pecaste, mas tudo já está perdoado; permanece onde estás e consola-te no perdão." Lutero teve que abandonar o convento e regressar ao mundo, não porque este, em si, fosse bom e santo, mas sim porque também o convento nada mais era do que mundo.

O caminho de Lutero para fora do convento e de volta ao mundo constitui o ataque mais incisivo que o mundo sofreu desde os tempos da primeira Igreja. A renúncia do monge ao mundo é brincadeira comparada à renúncia que o mundo experimentou por parte daquele que a ele regressara. O ataque agora era frontal; o discipulado de Jesus passaria a ser vivido no seio do mundo. Aquilo que, em circunstâncias especiais e com as facilidades da vida monástica, era praticado como realização especial passava agora a ser algo necessário, ordenado a cada cristão no mundo. A obediência perfeita ao mandamento de Cristo deveria acontecer na vida profissional de todos os dias. Assim se aprofundou de forma imprevisível o conflito entre a vida do cristão e a do mundo. O cristão atacava o mundo de perto; era uma luta corpo a corpo.

Mal entendido mais funesto não pode ocorrer na interpretação da obra de Lutero do que supor que ele tivesse proclamado, com o descobrimento do Evangelho da graça pura, uma dispensa da obediência ao mandamento de Jesus no mundo, ou que a descoberta da Reforma tivesse sido a canonização, a justificação do mundo mediante a graça que tudo perdoa. No conceito de Lutero, porém, a profissão secular do cristão tem sua justificação apenas no fato de nela o protesto contra o mundo atingir a sua máxima intensidade. A vocação secular do cristão recebe nova legitimidade a partir do Evangelho somente na medida em que é exercida no discipulado de Jesus. Não a justificação dos pecados, mas sim a do pecador é que levou Lutero a sair do convento. Lutero recebera a graça preciosa. Graça, por ser água sobre a terra sedenta, consolo na angústia, libertação da escravidão do caminho auto-escolhido, perdão de todos os pecados. Graça preciosa por não isentar ninguém da obra, antes chamando com insistência ainda maior ao discipulado. Mas justamente naquilo em que era preciosa é que ela era graça, e no que era graça, era preciosa. Era este o segredo do Evangelho da Reforma, o segredo da justificação do pecador.

No entanto, o vencedor da história da Reforma não é o reconhecimento de Lutero a respeito da graça pura e preciosa, mas sim o apurado instinto religioso do ser humano para descobrir onde é que a graça pode ser conseguida mais barata. Bastou um deslocamento muito ligeiro, quase imperceptível, da ênfase, para se consumar a obra mais perigosa e destrutiva. Lutero ensinava que, mesmo nos caminhos e obras mais piedosos, o ser humano não poderia subsistir perante Deus porque, no fundo, procura-se sempre a si próprio. Em face disso, ele próprio agarrara-se, na fé, à graça do livre e incondicional perdão de todos os pecados. Ao fazê-lo, Lutero sabia que essa graça lhe custara toda uma vida - e ainda lhe custava diariamente, pois a graça não o dispensara do discipulado, antes era agora que estava verdadeiramente comprometido com ele. Ao falar da graça, Lutero referia-se implicitamente à sua própria vida, vida que somente através da graça fora colocada na obediência plena a Cristo. Não podia falar da graça de outra maneira.

A graça tudo faz, dissera Lutero, e seus seguidores repetiam-lhe literalmente essa afirmação; com uma diferença, porém: muito em breve, deixaram de fora, deixaram de pensar e dizer aquilo que para Lutero sempre estava implícito em seu pensamento: o discipulado, aquilo que ele já não precisava dizer expressamente, pois falava sempre como pessoa a quem a graça conduzira ao mais árduo discipulado de Jesus. A doutrina de seus seguidores era, assim, inatacável do ponto de vista da doutrina de Lutero, e, no entanto, foi seu ensino que resultou no fim e na destruição do movimento reformatório como revelação da graça preciosa de Deus na terra. A justificação do pecador no mundo transformou-se em justificação do pecado e do mundo. A graça preciosa transformou-se em graça barata sem discipulado.Quando Lutero afirmava que nossos esforços nada podem nem mesmo na vida mais piedosa e que, por isso, aos olhos de Deus, nada vale senão "a graça e o favor do perdão", dizia-o como alguém que até então e naquele mesmo momento se sentia novamente chamado ao discipulado de Jesus e a deixar tudo o que tinha. O reconhecimento da graça foi para ele a última ruptura radical com o pecado de sua vida, jamais, porém, a justificação do pecado. Na aceitação do perdão, esse reconhecimento foi a última renúncia radical à vida sob orientação própria, e, por isso, só então tornou-se um chamado sério ao discipulado. A graça era para Lutero um "resultado", mas um resultado divino, não humano.

Esse resultado, porém, foi transformado por seus sucessores em premissa básica para um cálculo. Nisso consiste todo o desastre. Se a graça é o "resultado" da vida cristã, dado pelo próprio Cristo, então esta vida não está dispensada, um único momento sequer, do discipulado. Se, porém, a graça constituir premissa básica de minha vida cristã, então tenho nela, antecipadamente, a justificação dos pecados que cometer durante minha vida no mundo. Posso agora pecar apostando nessa graça, pois o mundo está, em princípio, justificado por ela. Permaneço, por isso, em minha existência de cidadania mundana como até agora; tudo fica como antes, e posso viver na certeza de que a graça de Deus me encobre. O mundo inteiro tornou-se "cristão" à sombra dessa graça, mas o cristianismo mundanizou-se sob essa graça como nunca. Desapareceu o conflito entre a vida cristã e a vida profissional de cidadão mundano. A vida cristã consiste em viver no mundo e tal qual o mundo, sem dele me distinguir, seja no que for, nem devendo - por amor da graça - distinguir-me dele, embora, em determinadas oportunidades, eu saia do mun¬do para entrar no âmbito da Igreja, para aí me assegurar do perdão dos pecados. Estou dispensado do discipulado de Jesus - mediante a graça barata, que é inevitavelmente o mais acerbo inimigo do discipulado, e que necessariamente odeia e ultraja o verdadeiro discipulado. A graça como premissa inicial é graça da mais barata; a graça como resultado é a graça preciosa. É assustador reconhecer o quanto depende da forma como uma verdade evangélica é expressa e posta em prática. É a mesma men¬sagem da justificação tão-somente pela graça; no entanto, a má utilização dessa mensagem conduz à completa destruição de sua essência.

Quando o Dr. Fausto, após uma vida dedicada à pesquisa do conhecimento, diz: "Vejo que nada podemos saber", estamos diante dum resultado, algo completamente diferente do sentido que esta mesma frase teria se pronunciada por um estudante de primeiro semestre, para justificar sua preguiça (Kierkegaard). Como resultado, essa frase é verdadeira, mas, como ponto de partida, é uma ilusão. Isso significa que o conhecimento adquirido não pode ser separado da existência em que foi obtido. Somente quem se encontra no discipulado de Jesus, renunciando a tudo quanto possuía, pode dizer que é justificado tão-somente pela graça. Essa pessoa vê o próprio chamado ao discipulado como sendo graça, e a graça como sendo esse chamado. Engana-se, porém, a si próprio quem se julga por ela dispensado do discipulado.

Mas não teria o próprio Lutero se aproximado perigosamente desta total perversão da compreensão da graça? Como entender a frase de Lutero: Peccafortiter, sed fortius fide et gaude in Christo - "Peca com coragem, mas crê com coragem ainda maior e alegra-te em Cristo"? (Enders III, p. 208, 118ss.). Isso significaria: afinal, tu és pecador e nada podes fazer para te livrar do pecado; quer sejas monge, quer mundano, quer pretendas ser justo, quer sejas ímpio, não conseguirás escapar à armadilha do mundo; pecas. Peca, pois, com coragem justamente baseando-te na graça já acontecida, é claro. Estaríamos nós diante da proclamação aberta da graça barata, da carta branca ao pecado, da abolição do discipulado? Estaríamos diante do convite blasfemo de pecar à vontade, confiados na graça? Haverá afronta mais diabólica contra a graça do que pecar confiado na graça que Deus nos concedeu? Não terá razão o Catecismo católico ao reconhecer neste pecado o pecado contra o Espírito Santo?

Para compreender bem esta relação, tudo depende da distinção entre resultado e premissa. Se a frase de Lutero for encarada como premissa duma teologia da graça, então está proclamada a graça barata. Mas a verdadeira compreensão da frase de Lutero consiste em vermos nela não o princípio, mas exclusivamente o fim, o resultado, a pedra final, a palavra derradeira. Encarado como premissa, peccafortiter transforma-se em princípio ético; ao princípio peccafortiter deve corresponder o princípio graça. Isso é justificação do pecado, uma inversão da frase de Lutero. "Peca com coragem" - isso, para Lutero, somente podia ser o informe derradeiro, a consolação para a pessoa que, no caminho do discipulado, reconhece não conseguir libertar-se do pecado e que, amedrontada pelo pecado, já não consegue confiar na graça de Deus. Para ele, "peca com coragem" não é uma confirmação fundamental da sua vida em desobediência, mas Evangelho da graça de Deus, perante o qual somos, sempre e em todas as circunstâncias, pecadores, e o Evangelho que nos busca e justifica justamente na qualidade de pecadores. Confessa corajosamente teu pecado; não procures fugir dele, porém, "crê com coragem ainda maior". És pecador e, portanto, continua sendo-o. Não queiras ser qualquer outra coisa senão aquilo que és; sim, sê pecador todos os dias e, não obstante, sê corajoso. Mas a quem se poderá dizer isso senão à pessoa que, diariamente, repudia seu pecado com todas as forças de seu coração, que, diariamente, renuncia a tudo que lhe serve de empecilho no discipulado de Jesus e que, no entanto, permanece inconsolável por causa de sua infidelidade e pecado cotidianos? Quem poderá ouvir isso sem risco para sua fé, senão a pessoa que, por tal consolo, se sabe renovadamente chamada ao discipulado de Cristo? Assim a frase de Lutero, entendida como resultado, transforma-se na graça preciosa, a única que é verdadeiramente graça.

A graça como princípio, pecca fortiter como princípio, a graça barata é, no fim das contas, apenas uma nova lei que em nada ajuda e que não liberta. A graça como palavra viva, pecca fortiter como consolo na tribulação e chamado ao discipulado, a graça preciosa, só ela é graça pura, que realmente traz perdão e liberta o pecador.

Como corvos nos reunimos em torno do cadáver da graça barata e dela recebemos o veneno devido ao qual o discipulado de Jesus morreu em nosso meio. A doutrina da graça pura passou, de fato, por uma apoteose incomparável, a doutrina pura da graça tornou-se ela mesma Deus, tornou-se ela mesma graça. Em toda parte, as citações de Lutero, e, no entanto, a verdade convertida em ilusão! Se a Igreja possui, pelo menos, a doutrina da justificação, então é, sem dúvida, uma Igreja justificada, diz-se. Assim, a verdadeira herança luterana seria o maior barateamento possível da graça. Ser luterano seria deixar o discipulado de Jesus aos legalistas, aos reformados ou aos entusiastas, tudo por amor da graça; seria justificar o mundo e transformar em herege o cristão que enveredasse pelo caminho do discipulado. Cristianizara-se, luteranizara-se um povo inteiro, porém, às expensas do discipulado, a um preço demasiadamente barato. Triunfara a graça barata.

Mas saberemos também que esta graça barata foi extremamente cruel para nós? O preço que hoje temos que pagar com o colapso das igrejas organizadas será qualquer outra coisa senão uma conseqüência necessária do barateamento da graça? Tornaram-se baratos a mensagem e os sacramentos; batizou-se, confirmou-se, absolveu-se todo um povo sem perguntas nem condições; por humanitarismo, deu-se o santuário aos zombadores e incrédulos, dispensaram-se rios sem fim de graça, mas o chamado ao discipulado rigoroso de Cristo ouvia-se cada vez mais raramente. Onde ficaram as percepções da Igreja primitiva que, na catequese do batismo, tinha tanto cuidado em vigiar a fronteira entre a Igreja e o mundo, em vigiar a graça preciosa? Onde ficaram os avisos de Lutero contra a proclamação de um evangelho que garantia segurança aos seres humanos em sua vida sem Deus? Quando foi o mundo mais cruelmente e mais desapiedadamente cristianizado do que aqui? Que são os 3 mil saxões assassinados segundo o corpo por Carlos Magno, comparados com os milhões de almas mortas na atualidade? Acontece que os pecados dos pais estão sendo castigados nos filhos até a terceira e quarta geração. A graça barata foi muito cruel para nossa Igreja Evangélica.A graça barata decerto foi também cruel pessoalmente para a maioria de nós. Não nos abriu, antes fechou o caminho para Cristo. Não nos chamou ao discipulado, antes nos endureceu na desobediência. Ou não foi crueldade quando tendo, quem sabe, escutado o chamado ao discipulado de Jesus como o chamado da graça de Cristo, tendo mesmo arriscado os primeiros passos do discipulado na disciplina da obediência ao mandamento, fomos assaltados pela mensagem da graça barata? Pudemos nós interpretar essa mensagem de outra forma senão que o que ela pretendia era deter-nos no caminho, chamando a um bom senso tão mundano, sufocando em nós a alegria do discipulado ao sugerir que tudo não passava de um caminho escolhido por nós mesmos, um dispêndio de energias, esforços e disciplina desnecessário e, até mesmo, muito perigoso, pois na graça tudo já estaria pronto e consumado? O pavio fumegante foi desapiedadamente extinto. Foi cruel falar assim a um ser humano porque ele, desorientado por uma oferta tão barata, iria necessariamente abandonar seu caminho - o caminho para o qual Cristo o chamara - para, agora, agarrar-se à graça barata que o privou, para sempre, do conhecimento da graça preciosa. Era inevitável que o ser humano enganado e fraco se sentisse subitamente forte na posse da graça barata, quando, na realidade, havia perdido a força para a obediência, para o discipulado. A mensagem da graça barata tem arruinado mais cristãos do que qualquer mandamento de obras.

Em tudo que segue, queremos falar em nome de todas as pessoas que estão atribuladas e para as quais a palavra da graça se tornou assustadoramente vazia. Por amor da verdade, essa palavra tem que ser pronunciada em nome daqueles entre nós que reconhecem que, devido à graça barata, perderam o discipulado de Cristo e, junto com o discipulado de Cristo, a compreensão da graça preciosa. Simplesmente por não querermos negar que já não estamos no verdadeiro discipulado de Cristo, que somos, é certo, membros de uma Igreja ortodoxamente crente na doutrina da graça pura, mas não membros de uma Igreja do discipulado, é preciso tentar compreender de novo a graça e o discipulado em sua verdadeira relação mútua. Já não ousamos mais fugir ao problema. Cada vez se torna mais evidente que o problema da Igreja se resume nisso: como viver hoje uma vida cristã?

Felizes aqueles que se encontram já no fim do caminho que pretendemos percorrer e que, com espanto, compreendem o que de fato parece incompreensível: que a graça é preciosa justamente por ser graça pura, por ser a graça de Deus em Jesus Cristo! Felizes aqueles que, no singelo discipulado de Jesus, se encontram possuídos por essa graça, podendo, humildes em espírito, louvar a graça de Cristo que tudo opera! Felizes aqueles que, no conhecimento desta graça, podem viver no mundo sem para ele se perderem, e para os quais, no discipulado de Cristo, a pátria celestial é uma certeza tal que estão verdadeiramente livres para a vida neste mundo! Felizes aqueles para os quais o discipulado de Jesus Cristo nada mais é senão a vida baseada na graça, e para os quais a graça nada mais é senão o discipulado! Felizes aqueles que, neste sentido, se tornaram cristãos para os quais a mensagem da graça foi misericórdia!


Nota: O pastor Dietrich Bonhoeffer foi martirizado aos 39 anos pelos Nazistas.

terça-feira, 15 de março de 2011

Pecado - O que é?

Talvez não houvesse pecado se não houvesse lei. Mas a lei existe. É a lei de Deus. Portanto, qualquer desconhecimento ou desrespeito a essa lei chama-se de pecado. Poderia chamar-se de infração ou crime ou de qualquer outra palavra. Todavia, por se tratar de uma desobediência à lei de Deus, a palavra mais própria é pecado. É uma palavra técnica, profundamente religiosa, usada primeiramente nas Escrituras Sagradas e, depois, na Teologia e na literatura religiosa.

Por essa razão, os catecismos e as confissões de fé cristãs relacionam o pecado com a lei de Deus.

Catecismo Menor de Martinho Lutero (1483-1517):
Pecado é qualquer desvio da norma da Lei divina.

Catecismo Menor redigido pela Assembléia de Westminster, em Londres, de 1643 a 1649, até hoje usado pelas Igrejas Reformadas, que contém a mais conhecida e apreciada definição:
Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus ou qualquer transgressão dessa lei.

Primeiro Catecismo de Doutrina Cristã, preparado pelo Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro e bispos da província meridional do Brasil, no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em 1903:
Pecado é uma desobediência voluntária à lei de Deus”.

Catecismo Metodista, compilado por A. M. Ungaretti, no início do século (a 2a. edição é de 1926), que fica apenas com a metade da declaração de Westminster:
Pecado é qualquer transgressão da lei de Deus.

Novo Catecismo da Igreja Católica, colocado em perguntas e respostas por Dom Edvaldo Gonçalves Amaral, arcebispo de Maceió, em 1993, que repete Santo Agostinho:
Pecado é uma palavra, um ato ou um desejo, contrários à lei eterna.

Segunda Confissão Helvética:
Por pecado entendemos a corrupção inata do homem, que se comunicou ou propagou de nossos primeiros pais a todos nós, pela qual nós — mergulhados em más concupiscências, avessos a todo o bem, inclinados a todo o mal, cheios de toda impiedade, de descrenças, de desprezo e de ódio a Deus — nada de bom podemos fazer, e, até, nem ao menos podemos pensar por nós mesmos. Além disso, à medida que passam os anos, por pensamentos, palavras e obras más, contrárias à lei de Deus, produzimos frutos corrompidos, dignos de uma árvore má.

Confissão Escocesa:
Pecado são os atos contrários à vontade de Deus expressa em sua lei, contra Deus e contra o próximo.

Departamento de Educação Religiosa da Igreja Episcopal:
Pecado é como uma doença que está no sangue e que se manifesta aqui e ali em feridas pelo corpo. Por trás de todos os nossos atos pecaminosos está esta infecção interior.

Centro Informativo Católico:
Pecado é antes de tudo falta de cortesia para com o imenso amor de Deus.

Billy Graham:
Pecado não é apenas o uso do que é corrupto, mas muitas vezes o mau uso daquilo que é puro e bom.

Cláudio Rondello:
Pecado é a traça que nos come por dentro.

Apóstolo Paulo:
Aquilo que não tem base na fé é pecado.

Júlio Andrade Ferreira:
A desgraça do pecado é que o homem, de interlocutor de Deus, passou a competidor.

David Wilkerson:
Pecado é a recusa de se viver sabiamente ou de ajustar a vida às verdades da Palavra de Deus. Pecado não é apenas fraqueza, mas um estado de rebelião. Você peca não porque não tenha compreensão das coisas, mas porque se recusa a reconhecer suas nítidas obrigações para com Deus e com os homens.

Plínio Salgado:
Pecado é a subversão da ordem estabelecida por Deus.

Gorgônio Barbosa Alves:
O homem carrega sobre seus ombros um fardo pesado. Ele sabe que leva esse peso. Algumas vezes deseja libertar-se, tenta lançá-lo fora, mas não tem condições. O fardo continua ligado ao seu corpo, bem seguro, como se já fizesse parte de sua natureza. O nome desse fardo é pecado. Isto não é produto da imaginação, não é literatura nem ficção. Pecado é realidade universal.

Salomão:
O pecado é o opróbrio dos povos.

Emil Brunner:
O pecado não é outra coisa do que a presunção de que poderíamos viver sem Deus. Esse pensamento “posso sem Deus, sou meu próprio senhor” é veneno na fonte da vida humana. Dali tudo se contamina. “Ser como Deus” não quer dizer que se afirme a sua própria divindade; antes significa que se cobiça a independência de Deus. Ser independente, livre do Criador, é ser ateu, é ser mau. Todos os mandamentos combatem exatamente isso.

Ultimato - Ed. 253

sábado, 12 de março de 2011

A Data da Última Ceia

Ratzinger-Bento XVI: A data da Última Ceia
Passagem do livro “Jesus de Nazaré, Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição”

* * *

1. A data da Última Ceia

O problema da datação da Última Ceia de Jesus assenta no contraste, a este respeito, entre os Evangelhos sinópticos, de um lado, e o Evangelho de João, do outro. Marcos, que Mateus e Lucas seguem no essencial, oferece a este propósito uma datação precisa. «No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa, os discípulos perguntaram-Lhe: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” [...] Chegada a noite, Jesus foi com os Doze» (Mc 14, 12.17). A tarde do primeiro dia dos Ázimos, quando no templo se imolavam os cordeiros pascais, é a vigília da Páscoa. Segundo a cronologia dos sinópticos trata-se de uma quinta-feira.

Depois do ocaso, começava a Páscoa, e foi então consumida a ceia pascal por Jesus com os seus discípulos, bem como por todos os peregrinos idos a Jerusalém. Na noite de quinta para sexta-feira – sempre segundo a cronologia sinóptica –, Jesus foi preso e apresentado ao tribunal, na manhã de sexta-feira foi condenado à morte por Pila- tos e sucessivamente, «pela hora tércia» (cerca das nove da manhã), foi crucificado. A morte de Jesus deu-se à hora nona (cerca das três horas da tarde). «Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia [...] foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus» (Mc 15, 42-43). A sepultura devia fazer-se ainda antes do ocaso porque depois começava o sábado. O sábado é o dia do repouso sepulcral de Jesus. A ressurreição tem lugar na ma- nhã do «primeiro dia da semana», no domingo.

Esta cronologia vê-se comprometida pelo seguinte problema: o processo e a crucifixão de Jesus teriam acontecido na festa da Páscoa, que naquele ano calhava na sexta-feira. É verdade que muitos estudiosos procuraram demonstrar que o processo e a crucifixão eram compatíveis com as prescrições da Páscoa. Mas, não obstante toda a erudição, resta problemático que, naquela festa muito importante para os judeus, fossem admissíveis e possíveis o processo diante de Pilatos e a crucifixão. Aliás, esta hipótese vê-se obstaculizada também por uma informação fornecida por Marcos. Afirma ele que, dois dias antes da festa dos Ázimos, os sumos sacerdotes e os escribas procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à má-fé para O matarem, mas a propósito declaravam: «Durante a festa não, para que o povo não se revolte» (14, 2; cf. v. 1). Segundo a cronologia sinóptica, porém, a execução capital de Jesus terá de facto tido lugar precisamente no dia da festa.

Vejamos agora a cronologia joanina. João tem o cuidado de não apresentar a Última Ceia como ceia pascal. Pelo contrário, as autoridades judaicas, que levam Jesus ao tribunal de Pilatos, evitam entrar no pretório «para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa» (18, 28). A Páscoa começa apenas ao entardecer; durante o processo, ainda se está a pensar na ceia pascal; processo e crucifixão têm lugar no dia antes da Páscoa, na parasceve, a «preparação», e não na própria festa. Naquele ano, portanto, a Páscoa estende-se do ocaso de sexta-feira até ao ocaso de sábado, e não do entardecer de quinta-feira até ao entardecer de sexta-feira.

Quanto ao resto, o desenrolar dos acontecimentos permanece o mesmo. Na tarde de quinta-feira, a Última Ceia de Jesus com os discípulos, que não é porém uma ceia pascal; na sexta-feira, a vigília da festa, e não a própria festa, o processo e a execução capital; no sábado, o repouso no sepulcro; no domingo, a ressurreição. Com esta cronologia, Jesus morre na hora em que são imolados no templo os cordeiros pascais. Morre como o verdadeiro Cordeiro, que estava apenas preanunciado nos cordeiros.

Esta coincidência, teologicamente importante, de Jesus morrer contemporaneamente com a imolação dos cordeiros pascais tem levado muitos estudiosos a desmerecerem a versão joanina como cronologia teológica. João teria mudado a cronologia para construir esta coincidência teológica, que todavia no Evangelho não é explicitamente afirmada. Mas, hoje, vai-se vendo de maneira cada vez mais clara que a cronologia joanina é historicamente mais provável do que a sinóptica, visto que – como se disse – processo e execução capital no dia da festa parecem pouco concebíveis. Por outro lado, a Última Ceia de Jesus aparece tão estreitamente ligada à tradição da Páscoa que a negação do seu carácter pascal redunda problemática.

Por isso desde há muito que se fazem tentativas para conciliar as duas cronologias. A mais importante e, em vários dos seus pormenores, fascinante de chegar a uma compatibilidade entre as duas tradições provém da estudiosa francesa Annie Jaubert, que desde 1953 tem vindo a desenvolver a sua tese numa série de publicações. Dado que aqui não devemos entrar nos detalhes da sua proposta, limitamo-nos ao essencial.

A senhora Jaubert baseia-se principalmente em dois textos antigos que parecem apontar para uma solução do problema. O primeiro é a indicação de um calendário sacerdotal antigo, presente no Livro dos Jubileus, que foi redigido em língua hebraica na segunda metade do século II antes de Cristo. Este calendário não toma em consideração a translação da Lua, prevendo um ano de 364 dias, dividido em quatro estações de três meses, dois dos quais têm 30 dias e o outro 31. Cada trimestre, sempre com 91 dias, contém exactamente 13 semanas, e cada ano 52 semanas. Consequentemente, as festas litúrgicas de cada ano seriam sempre no mesmo dia da semana. Isto significa que, no caso da Páscoa, o 15 de Nisan seria sempre à quarta-feira, sendo a ceia pascal consumada depois do ocaso na noite de terça-feira. Jaubert defende que Jesus terá celebrado a Páscoa segundo este calendário, isto é, na terça-feira à noite, e sido preso nessa noite que dá para quarta-feira.

Deste modo, a estudiosa vê resolvidos dois problemas: por um lado, Jesus terá celebrado uma verdadeira ceia pascal, como referem os sinópticos; por outro, João tem razão em que as autoridades judaicas, atendo-se ao seu próprio calendário, celebraram a Páscoa só depois do processo de Jesus; e, por conseguinte, Jesus terá sido justiçado na vigília da verdadeira Páscoa e não no próprio dia da festa. Assim a tradição sinóptica e a joanina apresentam-se igualmente certas com base na diferença que há entre dois calendários diversos. A segunda vantagem sublinhada por Annie Jaubert mostra, simultaneamente, o ponto fraco desta tentativa de encontrar uma solução.

Observa a estudiosa francesa que as cronologias referidas (nos sinópticos e em João) têm de conjugar uma série de acontecimentos no reduzido espaço de poucas horas: o interrogatório na presença do Sinédrio, a transferência para Pilatos, o sonho da mulher de Pilatos, o envio a Herodes, o regresso a Pilatos, a flagelação, a condenação à morte, a via crucis e a crucifixão. Colocar tudo isto num arco de poucas horas parece – segundo Jaubert – quase impossível. A este propósito, a sua solução proporciona um espaço temporal que vai da noite entre terça-feira e quarta-feira até à manhã de sexta-feira.

Neste contexto, a estudiosa mostra que, em Marcos, nos dias de «Domingo de Ramos», segunda-feira, terça-feira e quarta-feira, existe uma sequência concreta dos acontecimentos, mas depois se salta di- rectamente para a ceia pascal. Por conseguinte, segundo a datação referida, ficariam dois dias sobre os quais nada se refere. Por fim, re- corda Jaubert que, deste modo, teria podido funcionar o projecto das autoridades judaicas de matar Jesus ainda antes da festa. Mas Pilatos, com a sua titubeação, teria depois adiado a crucifixão até sexta-feira.

No entanto, contra a mudança da data da Última Ceia de quinta para terça-feira fala a antiga tradição da quinta-feira, que em todo o caso encontramos claramente já no século II. A isto objecta a senhora Jaubert citando o segundo texto sobre o qual assenta a sua tese: trata-se da chamada Didascália dos Apóstolos, um escrito do início do século III que fixa a data da Ceia de Jesus na terça-feira. A estudiosa procura demonstrar que este livro terá recolhido uma tradição antiga, cujos vestígios poderão ser encontrados também noutros textos.

A isto, porém, é preciso responder que os vestígios da tradição encontrados são demasiado frágeis para poderem convencer. A outra dificuldade consiste no facto de ser pouco verosímil o uso, por parte de Jesus, de um calendário difundido principalmente em Qumrân. Nas grandes festas, Jesus frequentava o templo. E, embora tenha predito o seu fim confirmando-o com um acto simbólico dramático, Ele seguiu o calendário judaico das festividades, como mostra sobretudo o Evangelho de João. Poder-se-á, sem dúvida, admitir com a estudiosa francesa que o Calendário dos Jubileus não estava estritamente confinado a Qumrân e aos Essénios. Mas isto não basta para poder fazê-lo valer para a Páscoa de Jesus. Assim se explica que a tese, à primeira vista fascinante, de Annie Jaubert seja rejeitada pela maioria dos exegetas.

Ilustrei esta tese de maneira particularmente detalhada porque ela permite imaginar algo da multiplicidade e da complexidade do mundo judaico no tempo de Jesus: um mundo que, não obstante o considerável aumento dos nossos conhecimentos das fontes, podemos reconstituir apenas de modo insuficiente. Portanto, não negaria a esta tese qual- quer probabilidade, mas, tendo em consideração os seus problemas, penso que não é pura e simplesmente possível acolhê-la.

Que dizer então? A avaliação mais cuidada de todas as soluções tentadas até agora, encontrei-a no livro sobre Jesus de John P. Meier, que, no final do seu primeiro volume, expôs um amplo estudo sobre a cronologia da vida de Jesus. E chega à conclusão de que é preciso escolher entre a cronologia sinóptica e a joanina, demonstrando, com base no conjunto das fontes, que a decisão deve ser favorável a João.

João tem razão quando afirma que, no momento do processo de Jesus diante de Pilatos, as autoridades judaicas ainda não tinham comi- do a Páscoa e por isso deviam conservar-se cultualmente puras. Tem razão ao dizer que a crucifixão não teve lugar no dia da festa, mas na sua vigília. Isto significa que Jesus morreu na altura em que se imola- vam no templo os cordeiros pascais. Que depois os cristãos tivessem visto nisso mais do que um puro acaso, que tivessem reconhecido Je- sus como o autêntico Cordeiro, que precisamente assim tivessem encontrado o rito dos cordeiros elevado ao seu verdadeiro significado – tudo isso é simplesmente normal.

Resta a pergunta: mas, então, porque é que os sinópticos falam de uma ceia pascal? Em que se baseia esta linha da tradição? Uma resposta verdadeiramente convincente a esta pergunta, nem Meier a pôde dar. Todavia, faz a tentativa, como aliás muitos outros exegetas, através da crítica redaccional e literária; procura demonstrar que os textos de Mc 14, 1a e 14, 12-16 – os únicos lugares onde se fala da Páscoa em Marcos – terão sido inseridos posteriormente. Na narrativa verdadeira e própria da Última Ceia, não seria mencionada a Páscoa.

Esta operação, apesar dos numerosos nomes importantes que a sustentam, é artificial. Mas é justa a indicação de Meier segundo a qual, na narrativa da própria Ceia feita pelos sinópticos, o ritual pascal aparece tão pouco como em João. Assim, poder-se-á, embora com alguma reserva, subscrever a afirmação de que «toda a tradição joanina [...] concorda plenamente com a tradição original dos sinópticos relativamente ao carácter da Ceia como não pertencente à Páscoa» (A Marginal Jew, I, p. 398).

Mas então o que foi, verdadeiramente, a Última Ceia de Jesus? E como se chegou à concepção, seguramente muito antiga, do seu carácter pascal? A resposta de Meier é surpreendentemente simples e, sob muitos aspectos, convincente. Jesus estava consciente da sua mor- te iminente; sabia que não mais iria poder comer a Páscoa. Nesta clara certeza, convidou os seus para uma Última Ceia de carácter muito particular, uma Ceia que não pertencia a nenhum rito judaico determinado, mas era a sua despedida, na qual Ele deu algo novo, isto é, Se deu a Si mesmo como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a sua Páscoa.

Em todos os Evangelhos sinópticos fazem parte desta Ceia as profecias de Jesus sobre a sua morte e sobre a sua ressurreição. Em Lucas, elas assumem uma forma particularmente solene e misteriosa: «Tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer, pois digo-vos que já não a voltarei a comer até ela ter pleno cumprimento no Reino de Deus» (22, 15-16). A frase permanece equívoca: pode significar que Jesus come, pela última vez, a Páscoa habitual com os seus; mas pode significar também que já não a come mais, encaminhando-se para a nova Páscoa.

Um dado é evidente em toda a tradição: o essencial desta Ceia de despedida não foi a Páscoa antiga, mas a novidade que Jesus realizou neste contexto. Mesmo se esta refeição de Jesus com os Doze não foi uma ceia pascal segundo as prescrições rituais do judaísmo, num olhar retrospectivo tornou-se evidente, com a morte e a ressurreição de Jesus, o significado intrínseco do todo: era a Páscoa de Jesus. E, neste sentido, Ele celebrou a Páscoa e não a celebrou. Os ritos antigos não podiam ser praticados; quando chegou o momento, Jesus já estava morto. Mas Ele entregara-Se a Si mesmo e assim tinha celebrado com eles verdadeiramente a Páscoa. Desta forma, o antigo não tinha sido negado, mas – e só assim poderia ser – levado ao seu sentido pleno.

O primeiro testemunho desta visão unificadora do novo e do antigo que é operada pela nova interpretação da Ceia de Jesus em relação com a Páscoa no contexto das suas morte e ressurreição encontra-se em Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios 5, 7: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (cf. Meier, A Marginal Jew, I, p. 429 s.). Como em Marcos 14, 1, também aqui se sucedem o primeiro dia dos Ázimos e a Páscoa, mas o sentido ritual de então é transformado num significado cristológico e existencial. Agora, os «ázimos» devem ser os próprios cristãos, libertados do fermento do pecado. E o Cordeiro imolado é Cristo. Nisto, Paulo concorda perfeitamente com a descrição joanina dos acontecimentos. Assim, para ele, morte e ressurreição de Cristo tornaram-se a Páscoa que permanece.

Com base nisto, pode-se compreender como a Última Ceia de Je- sus – que não era só um prenúncio, mas nos dons eucarísticos compreendia também uma antecipação de cruz e ressurreição – bem depressa acabou por ser considerada como Páscoa, como a sua Páscoa. E era-o verdadeiramente.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A expressão vestir-se ou cingir-se de pano de saco na Bíblia

A expressão vestir-se ou cingir-se de pano de saco aparece tantas vezes na Bíblia que é bom conhecer o seu significado. Embora seja mais freqüente no Velho Testamento, ela não é omissa na outra parte das Sagradas Escrituras. Diz-se, por exemplo, que as duas testemunhas do Apocalipse vão profetizar 1.260 dias vestidas de pano de saco (11.3). Jesus mesmo referiu-se a este cerimonial: “Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido, assentadas em pano de saco e cinza” (Lc 10.13).

O pano de saco era uma fazenda grosseira, feita de pêlo de cabra, de cor preta. Poucas vezes, em vez de pano de saco, fala-se em cilício: “Cosi sobre a minha pele o cilício, e revolvi o meu orgulho no pó” (Jó 16.15). A única diferença é que o cilício era uma pequena túnica, cinto ou cordão de crina (pêlo mais longo e firme do cavalo e de outros animais) ou lã áspera. Isaías contrasta a veste suntuosa das altivas filhas de Sião com o cilício: “Será que em lugar de perfume haverá podridão, e por cinta, corda, em lugar de encrespadura de cabelos, calvície, e em lugar de veste suntuosa, cilício, e marca de fogo em lugar de formosura” (3.24).

Os judeus e outros povos em circunstâncias especiais rasgavam as suas vestes e cobriam-se de pano de saco. Manifestavam assim externamente o sofrimento interior e o estado de espírito de que estavam possuídos. Uma pessoa vestida de pano de saco ou cilício revelava uma das seguintes situações ou mais de uma delas em conjunto:

1) Luto. “Jacó rasgou as suas vestes e se cingiu de pano-saco e lamentou o filho por muitos dias” (Gn 37.34). (Segundo a falsa notícia, José havia sido despedaçado e comido por um animal selvagem.) A propósito da morte de Abner, chefe do exército, Davi deu ordens a Joabe e ao povo: “Rasgai as vossas vestes, cingi-vos de sacos e ide pranteando diante de Abner” (2 Sm 3.31).

2) Tristeza e aflição por alguma tragédia ou desastre, de âmbito pessoal ou nacional. O rei Ezequias, ante a ameaça de Senaqueribe e a afronta de Rabsaqué, “rasgou as suas vestes, cobriu-se de pano de saco e entrou na casa do Senhor”. E os que ele enviou para falar sobre o problema a Isaías, estavam todos cobertos de pano de saco (2 Rs 19.1-3). Dois séculos depois, quando Assuero (Xerxes I), do império medo-persa, decretou a morte de todos os judeus, moços e velhos, crianças e mulheres, em um só dia, Mordecai, tio de Ester, “rasgou as suas vestes e se cobriu de pano de saco e de cinza, e, saindo pela cidade, clamou com grande e amargo clamor”. Não pôde se avistar com Ester, “porque ninguém vestido de pano de saco podia entrar pelas portas do rei”, nem concordou em colocar as roupas que a sobrinha lhe enviou. O momento exigia o pano de saco mesmo. (Et 4.1-4.)

3) Convicção de pecado, tristeza pelos pecados, arrependimento. Esta é a razão mais comum para o uso do pano de saco. O rei Acabe, depois de ter caído em si quanto ao crime cometido contra Nabote, “rasgou as suas vestes, cobriu de pano de saco o seu corpo, e jejuou; dormia em sacos, e andava cabisbaixo” (1 Rs 21.27). O mais espetacular exemplo encontra-se no livro de Jonas: os ninivi-tas se arrependeram com a pregação de Jonas e “proclamaram um jejum, e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor”. O próprio rei de Nínive “levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais, cobriu-se de pano de saco, e assentou-se sobre cinza”. Neste caso há um detalhe curioso: os animais foram também cobertos de pano de saco. Trata-se de um arrepen-dimento nacional, provocado pela ameaça de destruição da grande cidade de Nínive. (Jn 3.5-10.)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Significado de Oração

Proseuche, do Grego – O meio de comunicação entre o homem e Deus. É a expressão livre e sincera do coração do homem para com Deus (1Rs 9.3; Mt 7.7). É o derramamento do coração ante o Senhor. A oração pode ser feita em adoração, ação de graças, confissão, petição e clamor (Ne 1.4-11; Dn 9.3-19; 1 Sm 1.10-13). Devemos orar com submissão ao Senhor, pois ele é onisciente, e conhece as consequências das respostas de nossas orações. Esta é nossa confiança, que se pedirmos algo dentro de sua vontade, ele nos ouve (1 Jo 5.14). A oração deve ser feita a Deus Pai, em nome de Jesus (Jo 14.13), com a ajuda do Espírito Santo (Rm 8.26). Os israelitas em geral oravam de pé (Dn 9.20), e quando de joelhos, simbolizava uma maior devoção à Deus (2 Cr 6.13; Lc 22.41). Em ambos os casos, a oração era feita com as mãos levantadas aos céus (1 Rs 8.22; Ne 8.6), ou ao santuário (Sl 28.2; 2 Cr 6.29). Era costume orar prostrando-se com o rosto em terra, em sinal de humilhação diante de Deus (1 Rs 18.42; Js 7.6). A oração de súplica ou arrependimento era feita com jejum e vestindo-se com saco e cinza (2 Rs 19.1; Es 4.1). A Bíblia nos ensina que Daniel se dirigiu ao altissímo para o buscar com oração e rogos desta maneira (Dn 9.3). Este gesto era muito usado entre Israel, em sinal de completa humilhação e arrependimento (Sl 35.13). Também era costume do homem arrependido, bater no peito e dizer: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador, e assim confessava seus pecados audivelmente à Deus (Lc 18.13). Os fariseus portavam filatérias como rito em suas orações (Mt 23.5; Dt 6.8). Jesus nos ensinou o dever de sempre orarmos e nunca desfalecermos (Lc 18.1). O crente deve sempre orar ao Pai, em nome de Jesus (Jo 14.13-14, Mt 6.9), com persistência (1 Ts 5.17; Lc 18.1), com fé (Mc 9.24; Tg 1.6; 5.15) e buscando a vontade de Deus (I Jo 5.14).
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