sábado, 19 de junho de 2010

SOMOS EVANGÉLICOS, MAS ELE ME ESPANCA

O soco no queixo que derrubou Tereza, 33 anos, sobre os armários da sala, também jogou-a nas estatísticas que contabilizam uma mulher agredida no Brasil a cada quinze segundos. Tereza não sabe disso, nem se importou em contar quanto tempo durou a primeira surra. A única coisa que lhe vinha á cabeça era um arrependimento uma frustração. Casada com Pedro e natural do Rio de Janeiro, ela havia se mudado para São Paulo acompanhado do marido, que buscava uma oportunidade de emprego na área de enfermagem. Evangélicos, freqüentadores de uma grande igreja pentecostal na zona leste da capital, ela achava que tudo iria se ajeitar. Foi quando viu seu marido conversando com uma desconhecida, que se sentava bem á vontade no capô do carro do casal. "Fui perguntar quem era e, como resposta recebi um soco", relembra. Além da agressão, ela foi trancada em casa e proibida de sair.

Era o início de um ciclo de violência de todos os tipos: físicas, psíquicas, morais e sexuais. Tereza teve forte depressão. “Não entendia porque isso estava acontecendo. Não tinha vontade de fazer mais nada”.
Já na igreja, tudo parecia ir muito bem. Atuante, Pedro é um dizimista fiel, serve a santa ceia, lidera o grupo de missões, participa dos encontros de coordenadores e é bem visto pela liderança. Mas em casa se transforma: humilha e agride a esposa. "Ele me obriga a praticar sexo oral e anal". Sei que isso não agrada a Deus. Não sei o que fazer. Se não faço, ele me ameaça", conta em meio às lágrimas.

Tanto o nome dela quanto o dele, assim como das demais vítimas que contam suas histórias nessa reportagem são fictícios. Uma exigência da justiça. Porém, suas histórias são dolorosamente verídicas. Afinal, longe de ser exceção, casos como de Tereza são comuns no Brasil. Os dados de um levantamento realizado pela Fundação Perseu Abramo em 2001 apontam para um número mínimo de 2,1 milhões de mulheres, uma já foi vítima de agressão doméstica.

Apesar de várias pesquisas, realizadas por organizações não governamentais (ONGs) que atuam na defesa do direito das mulheres, não mensurarem a religião das vítimas, é inegável que muitas famílias, dentro da Igreja Evangélica, vivem este drama. Prova disso é a CASA DE ISABEL, um Centro de Apoio a Mulheres Vítimas de Violência, localizada no Bairro do Itaim Paulista, Zona Leste da Cidade de São Paulo, que é dirigida pela pesquisadora Dr. Sônia Regina Maurelli, 45. "Posso dizer que mais de 90% das mulheres que procuram a Casa de Isabel são evangélicas. Na grande maioria, membros de Igrejas Pentecostais", revela a pesquisadora, que também freqüenta uma Igreja Pentecostal, cujo nome não quis revelar.
Ela é enfática ao analisar a importância que as igrejas protestantes dão ao problema da violência contra a mulher.

"Nenhuma. As igrejas, com raras exceções, não dão importância a essa questão", critica.

Sonia acredita que os métodos usados por evangélicos para trabalhar nos relacionamentos, como os populares encontros de casais, são pouco eficazes na diminuição do problema. “Se fosse assim, não haveria tantas mulheres crentes aqui”. Para ela, é preciso abrir um espaço nas igrejas, em que temas que envolvam a família possam ser discutidos. “É necessário uma mudança radical. É preciso criar reuniões, em que as famílias possam abrir seus problemas. Um fim de semana viajando não resolve”.

Nas dissidências da Casa de Isabel, é fácil encontrar grupos de mulheres com a bíblia aberta, senhoras murmurando corinhos cristãos e até mesmo a música no rádio da recepção, tocando canções evangélicas. “Toda nossa diretoria é evangélica e a maioria das funcionárias também”, explica à dirigente, que considera seu trabalho, uma espécie de ministério.

E realmente não difere muito é na sala de Sônia que chegam histórias como de Joana, 28. Desde criança, ela carregou uma terrível herança: foi vitima de abuso sexual de seu pai biológico. “Até hoje tenho pesadelos com isso”, conta, muito emocionada. Quando casou com André, achou que o ciclo de violência havia cessado. Evangélico, membro de uma igreja neopentecostal, ele parecia um modelo de marido e pai. Tiveram cinco filhos. Mas o relacionamento começou a se complicar e Joana passou a dormir na casa dos fundos á sua, onde morava sua mãe. Uma noite, ouvi seu bebê chorar-ele dormia com os demais filhos do casal e o pai. “Fiquei muito preocupada, mas meu marido dizia que eu estava louca e que não devia incomodá-lo”. Dias depois, sua filha de cinco anos contou que o pai a assediava e também molestava o bebê a noite. O mundo de Joana desabou. “Não entendo como ele pôde fazer isso. Ele disse que era doente, me pediu perdão. Mas eu o expulsei de casa”.

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