terça-feira, 5 de outubro de 2010

TEOLOGIA E ICONOGRAFIA

Autor: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz


Resumo: A Compreensão de Martim Lutero, Ulrico Zwínglio e João Calvino sobre símbolos.



1 – MARTIM LUTERO (1483-1546)

Em Lutero, a questão dos símbolos somente é de importância secundária. Somente em 1522 ele foi forçado a externar-se sobre a questão. Contudo, já antes, precisamente quando da interpretação da carta aos Romanos 14.1ss. Lutero afirmou que os símbolos não são necessários para a salvação, embora também não os tenha proibido. Segundo o reformador, sobre o uso ou não dos símbolos, o decisivo deve ser o amor e a paciência para com os fracos[1]. Em 1518, quando da interpretação dos 10 mandamentos, Lutero distinguiu entre idolatria interior e exterior. Para ele, a idolatria exterior é conseqüência da interior. Isso o levou a afirmar que o primeiro mandamento se dirige especialmente contra a idolatria interior, a qual pode existir inclusive sem os símbolos externos. Por isso, o perigo propriamente dito não está na adoração dos símbolos exteriores, mas nas obras de justificação a eles relacionados. Lutero, desde o início, compreendeu Êxodo 20.4s. como exemplo para idolatria, portanto, ligado ao primeiro mandamento, diferentemente da tradição reformada que concebeu este texto como um segundo mandamento independente[2]. Em conseqüência do iconoclasmo em Wittenberg em 1522, Lutero claramente se afasta de Karlstadt. Este colocava símbolo e ídolo no mesmo nível. Por isso, para Karlstadt a destruição de imagens não é simplesmente uma questão secundária. Diferentemente, Lutero afirma que se a idolatria desaparecer no coração, o símbolo exterior não mais será perigoso. Karlstadt, ao contrário, afirma que quando o símbolo exterior é eliminado o perigo da idolatria interior também é afastado. Por isso, ele não somente combate o abuso do símbolo, mas o próprio uso em si do símbolo. Em especial, Karlstadt combateu símbolos sobre o altar como crucifixos, imagens de Cristo e de santos. Ele justiça a eliminação dos símbolos com base no primeiro mandamento, afirmando que os símbolos conduzem à idolatria. Assim, Karlstadt não concorda com a idéia de que símbolos sejam os “livros dos leigos”. Pelo fato de Karlstadt ficar preso ao que é exterior, ele não aborda a questão de símbolos e obras de justificação como Lutero o faz[3]. Depois de retornar do exílio no Castelo de Wartburgo em 6 de março de 1522, Lutero se posicionou sobre o iconoclasmo nas prédicas do dia 11 e 12 de março daquele ano. Na primeira prédica, ele inicia falando das coisas que não são necessárias, mas livres, as quais podem ou não ser mantidas. Contudo, da liberdade não se pode fazer uma lei. A fúria contra as imagens, segundo ele, redunda em mais simpatia pelos símbolos do que o afastamento deles. Quanto às palavras de Êxodo 20.4, ele ressalta que não é o fazer, mas o adorar símbolos que é proibido. Deve-se compreender o versículo 4 a partir do 5[4]. Na segunda prédica, em dia 12 de março de 1522, Lutero aprofundou ainda mais a questão dos símbolos. Nesta ocasião, ele enfatiza o amor como fundamental. Segundo ele, os símbolos deveriam ser afastados ali onde se constatasse abuso. Mas, segundo o reformador, o abuso não consiste, conforme os iconoclastas, na adoração dos símbolos, pois nenhuma pessoa é tão tola a ponto de considerar uma imagem seu próprio Deus, senão que somente um sinal. Segundo ele, o abuso está relacionado às obras de justificação, de forma que se possa achar alcançar méritos perante Deus através de imagens. Portanto, não se deve pregar contra as imagens em si, mas contra as obras de justificação. Dar dinheiro aos pobres é culto melhor do que dá-lo às imagens. Em última análise, a eliminação de imagens pode não servir para nada, pois existem pessoas que adorar o sol, a luz ou estrelas os quais não poderiam ser eliminados. O nosso maior inimigo é o coração, ainda assim não deveríamos nos suicidar. Assim, Lutero conclui que os iconoclastas não reconheceram o verdadeiro diabo, ou seja, o problema fundamental da imagem[5]. Karlstadt, diferentemente, acusava os reformadores de Wittenberg de usarem “o amor fraternal” como manto para encobrir o oportunismo. Segundo ele, onde existem cristãos, estes não deveriam dar atenção às autoridades, mas mudar e eliminar o que é contra Deus, mesmo sem pregar contra isso[6]. Em seu escrito “Contra os profetas celestiais, a respeito de imagens e sacramento”[7] do final de dezembro de 1524, Lutero chega a afirmar que primeiramente as imagens precisam ser eliminadas do coração, pois, então, eles não mais fariam mal aos olhos. Segundo ele, as obras de justificação estão relacionadas com o culto às imagens. Além disso, Moisés a proibição somente se refere a uma imagem de Deus. Contudo, fazer um crucifixo ou imagem de santo não é proibido. Mais do que isso, a questão fundamental não gira em torno do fazer imagem, mas do adorar imagens. Enquanto memória ou como “testemunhas”, as imagens não somente devem ser toleradas, senão são até mesmo “louváveis e honrosas”. Em sua Bíblia Alemã, que os iconoclastas também gostaram de usar, existem muitas figuras. Aliás, ele próprio chega a sugerir que se pinte figuras nas paredes, considerado por uma “obra cristã”. Segundo ele, quando se ouve ou lê sobre as obras de Deus, a gente cria uma imagem disso em seu coração. Por que, então, seria pecado ter um símbolo, por exemplo, da crucificação de Jesus, perante os olhos?[8]. Paulatinamente, Lutero foi acentuando a concepção de símbolos como meios auxiliares pedagógicos e didáticos. Neste espírito, a já mencionada Bíblia traduzida por ele continha muitas ilustrações. Contudo, ele chegou a cogitar uma Bíblia completamente ilustrada. Ele entendia que ilustrações poderiam auxiliar para a oração. O ser humano não consegue pensar nem entender nada sem a imagem. O próprio Deus sabe disso, por isso veio ao encontro da natureza humana tornando-se figura para tornar-se visível. A Bíblia está cheia de visibilidades. O próprio Jesus cria imagens através de suas parábolas. Por tudo isso, Lutero cria que a própria criação é o mais maravilhoso livro ou Bíblia na qual Deus próprio se retratou[9]. Finalmente, Lutero entendia que a imagem em geral não é sacramento, pois este foi instituído pelo próprio Deus. O símbolo nunca é uma encarnação de Deus. Diferentemente do sacramento, o símbolo é útil para a fé, mas não imprescindível para a salvação. A importância do símbolo está no fato de auxiliar na pregação, embora não possa ser considerado, em si, pregação independente da Palavra[10].

2 – ULRICO ZWÍNGLIO (1484-1531)

Através de seu escrito “Interpretação e Motivos dos Discursos Últimos”[11] de 14 de julho de 1523, Zwínglio condenou imagens como ídolos. Pouco depois, em outono do mesmo ano, ocorreu a destruição de imagens em Zurique. Em 17 de novembro de 1523, no escrito “Uma Breve Introdução Cristã”[12], Zwínglio afirmou que, enquanto induzem à adoração, as imagens são proibidas por Deus (primeiro mandamento). Em “Sugestões a Respeito de Missa e Imagens”[13] de dezembro de 1523, Zwínglio prevê, entre outros, a proibição de imagens de mesas, de procissões com imagens, a eliminação das imagens dos templos e a perda do benefício pelos sacerdotes que se colocam contra tais doutrinas[14]. A destruição do altar e das imagens do templo de Zollikon, ao sudeste de Zurique, no dia de Pentecostes de 1524, levou o Conselho a solicitar um parecer de Zwínglio. Através de “Sugestão por causa das Imagens e da Missa”[15], do final de maio, Zwínglio externou-se claramente sobre o assunto: imagens que estão sobre o altar e são veneradas precisam ser eliminadas. Como não se pode coagir ninguém à fé, deve-se pregar contra as imagens. Acusações mútuas de heresia deveriam ser evitadas. Por voto da maioria (!) dever-se-ia decidir sobre a eliminação de imagens. O Conselho concordou com o parecer em 15 de junho de 1524. Entre 2 e 17 de julho do mesmo ano, ocorreu a “guerra dos ídolos” em Zurique quando imagens foram carregadas às ruas, onde foram destruídas e queimadas[16]. Em 18 de agosto de 1524, através de “Resposta Cristã do Prefeito e do Conselho de Zurique ao Bispo Hugo”[17], Zwínglio afirmou que a Igreja que permitira a veneração de imagens não fora a verdadeira nem tivera ouvido a voz de seu bom pastor. Somente a Palavra ensina a conhecer a Cristo; externações somente desviam da Palavra. Segundo ele, o dinheiro que se emprega em favor de imagens deveria ser doado aos pobres[18]. Ainda em 1524 e 1525 Zwínglio chegou a afirmar – contra Lutero! – que, quem afirma que a respeito das imagens o Antigo Testamento não nos diz mais respeito, está apoiando o papismo. Segundo ele, as imagens não são adiáforas. Além disso, Cristo não pode ser retratado em sua natureza divina e sua humanidade não deve ser venerada, por isso também não o crucifixo. Fica, portanto, clara a compreensão distinta da cristologia entre Lutero e Zwínglio, a saber, separação ou unidade das duas naturezas na pessoa[19]. Em abril de 1525, Zwínglio volta a se externar sobre o assunto mencionando que a proibição de imagens não diz respeito somente a algo exterior ou cerimonial. Chama a atenção que claramente ele distingue entre aquelas imagens consideradas objeto de veneração e as não veneradas. Por isso, não se eliminou os vitrais nem a imagem de Carlos, o Magno, da torre em Zurique (em Ittingen e Münster, respectivamente, se procedeu tais eliminações!). Segundo ele, exatamente pelo fato de se ter que eliminar a idolatria dos corações é necessário eliminar as imagens. O “ajoelhar-se” e “servir” diante das imagens não é outra coisa do que “adorar”. Teoricamente a Igreja teria proibido a veneração de imagens, mas na prática ela continua. Exatamente por causa dos fracos, as imagens precisam ser eliminadas[20]. Zwínglio e Lutero concordam que a veneração de imagens é idolatria. Concordam também que as imagens que as imagens que não são veneradas devem ser toleradas. Discordam, contudo, do uso da imagem para fins pedagógicos como Lutero paulatinamente foi enfatizando[21].

3 - JOÃO CALVINO (1509-1564)

Em sua Institutio de 1536, Calvino se externou contrário às imagens afirmando que Deus é espírito e precisa ser adorado em espírito. É pagão e carnal quem retrata Deus. A representação de Deus através de imagem leva ao antropomorfismo. Estes mesmos pensamentos retornam na Institutio de 1559. Segundo ele, Deus permite ser ouvido, mas não mostra sua forma. Por isso, imagens de Deus nada mais são do que superstições. As teofanias do Antigo Testamento são prelúdios da futura revelação em Jesus Cristo, contudo, não justificam a representação de Deus como tal[22]. Calvino consentia determinadas imagens, a saber, aquelas que representam certos acontecimentos ou que agem através de sua beleza, que ensinam ou divertem. Contudo, estas imagens não têm lugar em templos. Segundo ele, não existiam imagens nos templos nos primeiros cinco séculos[23]. Por isso, ele fecha a considerar o Segundo Concílio de Nicéia (787) como ilegítimo[24]. Diferentemente de Lutero que relacionava o perigo das imagens com as obras de justificação, Calvino concebia as imagens como violação da majestade de Deus. Cabe mencionar que, como em 1535 as imagens já haviam sido eliminadas em Genebra, tratava-se somente ainda de discussões fundamentais e não mais práticas como em Zwínglio[25]. Enquanto as Confissões Luteranas somente mencionam imagens uma única vez (Apologia da Confissão de Augsburgo, 21,34), o assunto é abordado em diversos lugares nos escritos confessionais reformados. Na Confissão de Erlauthel (1562) e o Catecismo de Heidelberg distinguem entre a impossibilidade de retratar o Deus invisível e a veneração entre imagens criadas. As Teses de Berna (1528) defendem a eliminação de imagens quando existir o perigo de sua veneração. A Confissio Helvetica Posterior ressalta que imagens nos templos não podem ser consideradas como meios. Na Confessio Tetrapolitana (art. 22), as imagens são combatidas por lesarem o mandamento Deus e o amor aos pobres e por fomentarem obras dejustificação. Pelo fato de não ser úteis ao melhoramento, pelo contrário, levarem à discórdia, as imagens não têm lugar justificado nos templos[26]. Os teólogos tridentinos concordavam a respeito da teoria das imagens de Lutero. Contudo, a prática existente na Igreja Católico-Romana não permitia que mal fosse extirpado. Por isso, Zwínglio e Calvino pleitearam pela eliminação completa das imagens. Contudo, deve-se mencionar que a fundamentação psicológico-pedagógica para a eliminação de imagens no âmbito zwingliano e calvinista – por exemplo, o exterior induz à idolatria – viria a tornar-se, no futuro, uma deficiência psicológico-pedagógica – descaracterização do símbolo como meio pedagógico[27].

BIBLIOGRAFIA

GONZALEZ, Justo. A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova, 1978. 177 p. (Uma História Ilustrada do Cristianismo, 1)

LOEWENICH, Walther von. Bilder VI; VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit. In: KRAUSE, Gerhard; MÜLLER, Gerhard (Hrgs.). Theologische Realenzyklopädie. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1980. Bd. 6, p. 546-557.

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[1] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 546s. [2] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 547.
[3] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 547.
[4] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 548.
[5] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 548.
[6] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 549.
[7] “Wider die himmlischen Propheten, von den Bildern und Sakrament”
[8] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 549.
[9] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 550.
[10] Cf. Walther von LOEWENICH, Bilder VI. VI. Reformatorische und nachreformatorische Zeit, p. 550.
[11] “Auslegung und Gründe der Schußreden”

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