sábado, 7 de março de 2009

Directorium Inquisitorum : o manual dos inquisidores

Quando o papa Gregório IX reinvidicou para si a tarefa de perseguir hereges e institui, para isso, inquisidores papais, o que determinava o funcionamento do Tribunal do Santo Ofício era a bula Excommunicamus, que estipulava os procedimentos pelos quais inquisidores profissionais seriam enviados para localizar hereges e persuadí-los a se retratarem.

A bula foi publicada em 1232 e nos anos seguintes a tarefa de interrogar aqueles acusados de heresia foi confiada às ordens mendicantes, sobretudo os dominicanos. Talvez, por serem estes sseguidores dos ensinamentos de São Francisco de Assis, que pregava total desapego às coisas materiais, é que se pensava que seriam os mais indicados para proceder de forma precisa em um julgamento inquisitorial. Vã ironia, tendo em vista as atrocidades que se cometeram em nome de Deus e da fortuna para se manter o combate as heresias.

Gregório IX aparece, com sua mão de ferro, no final de um longo período de lutas contra a heresia por parte da igreja institucionalizada. Vários decretos papais e conciliares haviam tentado regulamentar a heresia e impedir seu crescimento através da instituição de inquisições episcopais. Todavia, os esforços foram em vão e precisou-se, com o passar do tempo, fortalecer a Inquisição para que ela pudesse continuar em sua obra divina.

A partir do momento, que as heresias já não se curvam diante da presença da Inquisição somente eclesiástica, esta se une ao Estado, e a partir daí vai-se criando uma prática de controle severo das doutrinas, legitimadas por sucessivos documentos pontifícios, mas nada, havia ainda que resumisse toda a ação do Santo Ofício em uma única obra.

No início do século XIV, comportamentos dissidentes começaram a ameaçar a integridade da igreja católica, que acumulava, neste período, um poder jamais conseguido na história da humanidade, que incluía o poder sobre os Estados emergentes e sobre as consciências de uma sociedade teocrática.

Para salvar a estrutura inquisitorial, Nicolau Eymerich elabora, em 1376, o Directorum Inquisitorum (Diretório dos Inquisidores), um verdadeiro tratado sistemático dividido em três partes: a) o que é a fé cristã e seu enraizamento; b) a perversidade da heresia e dos hereges; c) a prática do ofício do inquisidor que importa perpetuar.

Trata-se, na verdade, de um manual de “como fazer”, extremamente prático e direto, baseado na documentação anterior e na própria prática inquisitorial do autor. Toda a obra se remete a textos bíblicos, pontifícios, conciliares que justificam e direcionam a prática e o “bom exercício”da Inquisição.

Devido ao surgimento de novas correntes heréticas, no século XVI, fazia-se urgente atualizar o manual de Eymerich. Foi quando o comissário geral da Inquisição Romana, Thoma Zobbio, em nome do senado da Inquisição Romana solicitou a outro dominicano, o canonista espanhol Francisco de la Peña complementar o manual de Eymerich com todos os textos, disposições, regulamentos e instruções aparecidas depois de sua morte, em 1399. Peña redigiu uma obra minunciosa, com nada mais nada menos que 744 páginas de texto com 240 outras de apêndices, publicada em 1585.

A importância de tal obra é tão grande para a época, que depois da Bíblia, foi um dos primeiros textos a serem impressos, em 1503, em Barcelona. E quando o Vaticano quis reanimar a Inquisição para fazer frente a Reforma Protestante, mandou reeditar o livro e distribuiu para todos os inquisidores do mundo europeu.

Os Dominicanos de Deus

Os autores do Manual dos Inquisidores pertenciam a ordem dos dominicanos , que pelo desapego aos bens materiais, através do exemplo de São Francisco de Assis, eram julgados os mais capacitados para assumirem cargos dentro do Tribunal do Santo Ofício.
Nicolau Eymerich nasceu em 1320 em Gerona, no reino da Catalunha e Aragão. Fez-se dominicano, com excelente formação jurídica e teológica. Em 1357 já é inquisidor-geral do reino, exercendo o cargo até 1392. No decorrer de seu exercício teve duas interrupções mais ou menos longas. Pelo excesso de zelo inquisitorial foi exilado dos territórios de Catalunha e Aragão. Mas foi compensado em 1371, com o convite para ser o capelão do papa Gregório IX, quando estava no exílio em Avinhão e depois em Roma. Escreveu o Manual dos Inquisidores, em 1376, tornando-o famoso. Morreu em Gerona em 1399.

Francisco de la Peña é o autor que complementou a obra de Eymerich, conseguindo fortalecer o “direito comum inquisitorial” como norma geral a ser seguida, o quanto possível, por todos os inquisidores em todas as partes que estivesse um olho de Deus, combatendo as heresias. Embora de la Peña seja de suma importância para a concretização do Manual dos Inquisidores, dele pouco se sabe ou se tem notícia dentro do contexto histórico da época.

O Manual dos Inquisidores se constitui em uma obra retilínea e severa, restringindo-se a atuação e o funcionamento do Santo Ofício. Por ser filha de seu tempo esta obra não é apenas um livro que conta como funcionava a Inquisição, mas através dele pode-se também observar aspectos inerentes a sociedade da época. Não é a toa que ao final da obra o autor faz um inventário das 22 rubricas mais recorrentes que o inquisidor pode consultar rapidamente como se fosse um fichário. Afinal a Inquisição lidava com seres que estão propensos a reagir de diferentes formas conforme a situação em que se encontra e somente a Deus e seus representantes, cabe julgar as atitudes e ações contrárias a sua determinações, bem como estipular o valor da fiança a ser paga para a salvação de sua alma.

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